Sobre o comentário anterior, do colega Elvyngthon, salta a meus olhos um termo muito reificado: patrimonialismo. E, claro, subentende-se de seu comentário um tema muito abordado: o combate ao patrimonialismo.
É um tema interessantíssimo, fantástico de discutir, discutir e discutir, porque essa palavra se ouve aos quatros cantos e a expressão, combate ao patrimonialismo, idem.
Portanto, comentários e mais comentários devem ser feitos sobre isso. É o nosso Zeitgeist político-socio-cultural que determina isso.
A primeira coisa que acho importante falar é que, de forma alguma, devemos desmerecer esse tema. Ele deve ser caro à esquerda e à direita, aos moralistas e não moralistas. Não devemos desmerecê-lo.
Eu gostaria de fazer alguns apontamentos pessoais sobre a ideia de patrimonialismo. Se essa ideia for tomada no sentido mais abstrato que se possa imaginar – e não no sentido de uma percepção instantânea e espontânea de um momento real – ela então poderá ser entendida como um estado de coisas permanente e contínuo, de apropriação do patrimônio (em geral público), seja perpetrado por um mesmo indivíduo, seja por um conjunto de pessoas ou mesmo por toda uma sociedade.
Mas ora, justamente por causa desse possível aspecto de amplitude e perenidade, que essa “ideia” pode assumir, é que ela será fatalmente criticada. Como também Foucault criticou a ideia de Justiça e de Normal, como Nietzsche criticou a idéia de igualdade, como os anarquistas criticam a ideia de Estado, como os liberais criticam o socialismo e o socialismo critica a liberdade econômica e por aí vai.
Pois a ideia é essa coisa perene, certo? Ela é imutável e, de cara, já temos um problema aí, pois a realidade não é imutável e é complexa. As coisas podem até ser rotuláveis, mas o rótulo é nada mais do que isso, uma embalagem que não corresponde o tempo todo ao conteúdo.
Assim, como consequência da impossível presentificação, da perenidade disso que se chama patrimonialismo, críticas e diferentes opiniões surgirão. E já encontramos ao menos dois tipos de posicionamento ideológico.
De um lado, integrantes do Mercado que apoiam o combate ao patrimonialismo e, assim, reforçam as atenções a isso que se chama patrimonialismo.
De outro lado, temos estudiosos como Jessé de Souza. E, sem querer ser aqui preciso na opinião do professor, me parece que ele coloca que o grande problema ético a se evidenciar não é o patrimonialismo, mas me parece que ele aponta outros problemas muito mais importantes, a seu ver, a saber, o rentismo, a especulação financeira, etc.
Não me cabe defender as opiniões do professor, embora muito simpáticas a meu gosto. Mas um ponto sim que faço questão de evidenciar é minha concordância com o professor com o sentido mais profundo de suas colocações (pois tal sentido mais profundo parece em sintonia com minhas colocações nesse fórum).
O professor parece evidenciar que Ética é muito mais do que combate ao patrimonialismo. Uma ideia que pode parecer simples, mas não é. Como já disse anteriormente, acho que um dos problemas da definição do que é Ética, atualmente, é sua restrição a área pública.
Dito de outra forma, exemplificando, o importante não é definir se, o que deve ser prioridade, deve ser o público ou deve ser o privado. Mas o importante é considerar que a Ética abrange, inevitavelmente, tanto o público quanto o privado.
Tal como a pessoa que diz que não importa se o hospital é público ou privado, importa é poder contar com um hospital.
E eu diria: não importa se o transporte é pseudo-público, com passagem de quatro a cinco reais, ou Uber, ou van, concessão ou não, importa é poder contar com um transporte digno (leia-se, do tipo não-sardinha-na-lata).
Mas nesses dois exemplos que dei, do transporte ou do hospital problemático, como resolveremos esse impasse ético? É o poder público que resolverá? Será a iniciativa privada? Bem, não digo como resolver, mas é evidente que isso continuará sendo uma questão ética, com ou sem patrimonialismo.
Esses temas continuarão a ser assuntos para os jornalistas, para os políticos, para os professores, para as pessoas de boa vontade. Pelo simples fato de isso sim ser uma questão ética, mais do que uma entidade etérea chamada patrimonialismo.
Não defendo a tese Rousseauniana, que acha que o ser humano é bom por natureza. Não. Qualquer um de nós pode estar numa situação difícil e, por isso, como naturalmente buscamos a felicidade individual, temos que pensá-la também coletivamente.
Daí fundamentos como construção, integração, inteligência, sensibilidade, e consciência da complexidade do ser humano podem ser alguns pontos interessantes a embasar nossas atitudes com o fito citado. Fundamentos, esses, que eu expus anteriormente em outro comentário, não como regras infalíveis, mas como intuições vívidas.
(confesso que tais intuições são vívidas especificamente para mim, atualmente, dado minhas determinações sociais. Acredito que tais determinações são variáveis de pessoa para pessoa e que, portanto, talvez outras intuições seriam importantes às demais pessoas. Quanto a mim, digo que o fato de eu explicitar aquelas intuições citadas não indica que elas são facilmente evidenciáveis em nossas atitudes coletivas, nem mesmo por este que vos fala, ainda que importante que o fossem, em minha particular perspectiva. Nesse sentido, válido apontar que, alhures, sustentei a ideia de uma busca de facilitação, pela sociedade, quanto ao cumprimento das determinações éticas pelo indivíduo - mas isso não significa que o próprio processo de busca de facilitação seja ele mesmo fácil de ser projetado).
E, por fim, justamente por causa de toda a linha de raciocínio que expus, acredito que a Ética tinha que ser mais propositiva do que avaliativa, mais positiva do que negativa. E deve ser mais coletiva do que individual, donde seus fundamentos e ações não sejam requisitadas principalmente ao indivíduo, resultado da equação social. Que ações coletivas prefiram promover, induzir, antes a punir.
Ações que se coordenem para a construção coletiva dos ideias seculares (liberdade, igualdade, propriedade, fraternidade, saúde, moradia, etc.), ideais esse não tomados fundamentalmente num sentido etéreo e perene, jurídico ou outro sentido usual, mas num sentido concreto, palpável e verdadeiramente platônico, porque perceptível ou não em cada único momento de nossos dias.